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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Espionagem em Lourenço Marques...
Preocupações portuguesas

A denúncia da rede de espionagem alemão na capital moçambicana, publicada revista americana Colliers a 7 de Novembro de 1942, causou forte preocupação no regime e, fosse pelos detalhes ou pela sugestão de que o governo português fazia vista grossa à actividade desses espiões, foi rápida a reacção do Governo que, em poucos meses, tinha prontos inquéritos tanto da Marinha de Guerra como do Ministério das Colónias.

Lourenço Marques nos anos 40.

Todos os documentos, acompanhados de algumas notas pessoais, encontram-se no Arquivo Oliveira Salazar, na Torre do Tombo, sinal de o Presidente do Conselho, que era também ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, mostrou um interesse pessoal pelo assunto, numa altura em que se adivinhavam mudanças profundas no sentido da guerra, com o desembarque americano no Norte de África.

O Chefe de Estado-Maior da Marinha, Major General da Armada Alfredo Botelho de Sousa, é o primeiro a avançar com as conclusões de um inquérito conduzido pelo comandante do aviso “Afonso de Albuquerque”, a unidade de maior porte no índico naquele período.

Logo a 12 de Janeiro são conhecidos os resultados e, ao longo de 13 páginas, analisam-se várias passagens do artigo publicado na revista americana. Confirma o grande número de afundamentos naquela parte do Indico durante o ano de 1942, avançando com o número de 29 navios desaparecidos entre 17 de Outubro e 14 de Dezembro. Assegura, no entanto, que destes apenas 11 o tinham feito na costa da ex-colónia portuguesa, enquanto os restantes “aconteceram na costa sul-africana”.

Depois de nomear cada um dos onze navios pormenoriza que “apenas dois afundamentos se verificaram a cerca de 10 milhas da costa portuguesa - três a 20 milhas e os restantes 6 a distâncias maiores – todos fora de águas territoriais portugueses que se encontravam até às 3 milhas”.

Mesmo assim muitas dezenas de náufragos, até de navios afundados na África do Sul, vão chegar de alguma forma a Moçambique. Um documento britânico refere a presença de cerca de 500 náufragos nos anos de 1942 e 1943, só na zona da Beira.


Guerra entre portos

Entre as várias respostas enviadas a Lisboa é traçado o cenário do que se vive naquela zona do globo. O porto de Lourenço Marques conheceu um acréscimo de tráfego importante desde que os combates se aproximaram do Egipto no ano anterior, nomeadamente, para se abastecerem de combustível. Cinco dos navios afundados na proximidade da costa tinham ali feito escala. De resto nenhum destes navios chegou ou saiu em comboio ou tinha qualquer tipo de escolta, uma lacuna de “policiamento” considerado um "desafio aos apetites do adversário”.

Os oficiais da marinha portuguesa salientam também que aquela zona do continente africano está à mercê tanto de submarinos alemães, acompanhados de submarinos de abastecimento, como de submarinos japoneses. Uma análise acertada já que tanto uns como outros navegaram aquelas águas até 1944. De resto só esperam nova actividade com a aproximação do Verão, pois os ataques têm tendência para acontecer por vagas: "a considerar o ano passado (...)  houve dois períodos de grande actividade submarina: durante Junho e primeira quinzena de Julho e durante Novembro e primeira quinzena Dezembro".

O relatório exclui a possibilidade de existirem pontos de abastecimento para os submarinos ao longo da costa, mas já não avança com a mesma garantia em relação à existência de navios "amigos" que executem operações desse tipo: “É uma hipótese, que nada confirma, mas que tanto pode verificar-se na costa portuguesa, como na própria costa da África do Sul, pois não há vigilância possível que garanta que tal não se possa dar”.

O Major General da Armada Botelho de Sousa reforça a ideia de que há rivalidade entre portos, nomeadamente com o de Durban, razão porque a notícia saiu daquela forma, responsabilizando Moçambique pelos afundamentos.

Neste aspecto também o relatório do Ministério das Colónias concorda com o realizado pela Marinha, referindo que "a imprensa da União Sul Africana e dos Estados Unidos insistem" em apontar os navios atacados junto à costa Moçambicana, quando foram muitos mais afundados na costa do Natal.

Já sobre o resto do conteúdo do artigo mostra-se incapaz de confirmar as actividades de espionagem alemã. “(…) Não deve ser muito fácil a espionagem feita pelo cônsul alemão num meio relativamente pequeno como é Lourenço Marques onde a grande maioria da opinião pública é favorável aos aliados”, está escrito no relatório, apesar de haver o reconhecimento que, “em todo o caso é de crer que alguma espionagem se faça, e um facto há que contribuí para que se dê mais crédito a essas notícias, é o de na realidade o cônsul Dr. Werz enviar extensos telegramas cifrados”.

Para tentar satisfazer os reclamantes ingleses, mas sem entrar em confronto com os alemães, os responsáveis do ministério sugerem, com “fundamento de haver muito serviço telegráfico do Estado e também haver muito serviço de particulares, limitar o número de palavras dos telegramas cifrados a expedir sem sujeição a demora”. Não é possível perceber, pelo resto da documentação, se esta medida chegou a ser implementada, mas é certo que Werz, e os restantes associados, passaram a estar sob a mira das autoridades policiais em Lourenço Marques.


A esperança dos Bóer

Entre a documentação britânica, relativa à vigilância de elementos desta rede, há testemunhos de polícias locais que confirmam o crescente interesse português nas suas actividades.

Os aliados tinham um interesse muito especial nesta rede, que ia muito para além da informação naval que pudesse ser recolhida pelos seus agentes. No interior da União da África do Sul existia uma importante população bóer, descendentes de holandeses e alemães, e que sempre tinham lutado contra a presença britânica. Fatias importantes desta população eram contra a participação na guerra ao lado dos aliados e outros viam na vitória alemã a possibilidade de reconquistarem o poder.

Os aliados sabiam que existiam contactos entre grupos nacionalistas bóer e alemães. Existiam trocas de informações, emissões de rádio alemãs para o território e será até desembarcado um sabotador alemão no território.

Por todas essas razões os britânicos tinham a rede assinalada há algum tempo e andavam a recolher informações junto de diversas indivíduos portugueses e estrangeiros que residiam em Moçambique.

A partir dos princípios de 1943 Salazar vai também estar exposto a uma maior pressão dos aliados. Detalhes sobre diversas redes alemãs a operar em Lisboa e nas diversas colónias são-lhe entregues pelo embaixador britânico em Lisboa. A insistência em obter resultados passa a ser cada vez mais intensa e terá também resultados em Moçambique. Em Outubro de 1944 as autoridades portuguesas vão expulsar da colónia tanto Wertz como outros membros da sua rede.

Carlos Guerreiro

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