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sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Caçando pára-quedistas em... Miranda do Douro

Eram pára-quedistas. Três indivíduos "atados pela cintura" que tinham descido do céu, assegurava Alípio Pires, que vinha de Atenor com um carregamento de telhas quando os viu. Não conseguira ouvir qualquer avião, mas com a chiadeira da carroça isso não era de estranhar. Deviam ser umas 13 ou 14 horas quando reparou neles e"apesar da distância ser bastante grande distinguia perfeitamente serem homens" que deveriam ter caído lá para Cabeço Lebreiro ou, talvez, para Prado Gatão.

Desenho a ilustrar artigo sobre pára-quedistas alemães
na revista "A Esfera" de 6 de Julho de 1940.
Alípio contou a história, na mesma noite, ao cabo da Guarda Fiscal (GF) do Posto de Urros. Este comunicou com o comandante do posto de Sendim que, por volta de meia noite, telefonou ao presidente da câmara de Miranda do Douro. O autarca requisitou um carro a um particular, mais 20 litros de gasolina, e arrancou acompanhado pelo comandante da secção da GF da sede do concelho.

Chegou a Sendim de madrugada e seguiu depois para Urros onde encontrou uma grande concentração de praças da GF e da GNR a prepararem-se para uma batida. Às quatro da manhã ouviu toda a história da boca do próprio Alípio e o edil só não percebia porque demorara tantas horas a dar o alarme. O homem reconheceu que não dera grande importância ao avistamento e até adormecera ao chegar a casa. Só acordou quando a mulher chegou a casa, perto da noite. Esta contara a vizinhos que tinham corrido a alertar as autoridades.

Na madrugada e 5 de Setembro de 1942 dezenas de homens da GF, GNR e da Legião Portuguesa avançaram por montes e vales à caça de três pára-quedistas que no dia anterior teriam aterrado no território.

No relatório de que enviou para o Ministério do Interior, em 8 de Setembro, o presidente da Câmara mostrava-se convencido de que "o relato do homem era feito em termos simples e revestidos de sinceridade". Impressionaram-no também "os pormenores (...) dados por quem nunca vira, nem possivelmente ouvira falar em pára-quedistas".

O Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, já recebera notícias do Governador civil de Bragança na manhã do dia 5.


Uma nova arma muita propagandeada

A utilização de tropas pára-quedistas foi uma das inovações da II Guerra Mundial. Os alemães foram dos primeiros a empregá-las em grande escala na invasão da Bélgica, em 1940 e, no ano seguinte, na ocupação de Creta onde - apesar de grandes baixas, tiveram papel fundamental nas operações. A campanha de propaganda que rodeou a utilização destas tropas da Luftwaffe ajudou a que o medo se disseminasse rapidamente. A Inglaterra, por exemplo, tomou medidas excepcionais em 1940 para evitar a invasão através deste tipo de tropas. Os britânicos confiavam na sua marinha para deter uma invasão vinda do mar, mas tropas caídas do céu eram outra conversa.

Propaganda aos pára-quedistas britânicos
na revista "Mundo Gráfico" de 14 de Março de 1942.
Armadilhas e obstáculos foram colocados em prados e outros locais para evitar a aterragem de homens e planadores. Durante algum tempo instalou-se também o pânico com a possibilidade de serem introduzidos no país, através de operações aéreas, sabotadores ou espiões. Houve vários estrangeiros presos sob suspeita de serem pára-quedistas disfarçados.

As operações militares lideradas por estes homens mereceu destaque de jornais e rádios, também em Portugal, não sendo por isso de estranhar que houvesse uma ideia do que era um pára-quedista, mesmo em alguém que nunca tivesse visto algum.


Apanhados?

Nos primeiros dias as batidas não deram quaisquer resultados, apesar de terem chegado reforços da GNR, GF e Legião Portuguesa de todos os pontos do concelho e também do distrito. Devido às importância dada ao assunto a gestão da crise passou para as mãos de Morais Campilho, Governador Civil de Bragança, que, a partir do dia 8, envia quase diariamente, via telegrama, relatórios para Lisboa.

As buscas parecem confirmar as suspeitas assinalando-se a captura de um cidadão holandês e a perseguição a um outro estrangeiro. O prisioneiro garante, no entanto, que não caíra do céu, antes escapara de um campo de concentração em França, atravessara a Espanha e conseguira chegar ali pelos próprios meios. As autoridades portuguesas persistem nas batidas, monte acima e monte abaixo.

Balões de Barragem em Inglaterra durante a II Guerra Mundial
No dia 9 de Setembro há mais um alarme. Foi visto mais um pára-quedista, agora pelo tenente Tavares, comandante da secção da GF de Vimioso. Uma nova força parte à caça a este novo invasor. Nada foi encontrado, mas suspeita-se que o "aeronauta" tenha caído noutro ponto. No mesmo telegrama em que Morais Campilho refere o fracasso das buscas, é também relatado o facto de ter sido "apanhado um balão de borracha" com uma "espécie de gasómetro e líquido desconhecido, em Mirandela, enquanto de Vinhais chegavam informações da passagem de um grande balão de cor prateada, seguindo para poente.

 Em Urros, A 11 de Setembro a GF prendia mais um individuo "de naturalidade estrangeira". Tratava-se de um norueguês com 20 anos, que seria conduzido ao Mogadouro, para ser entregue à PVDE.


Aeronautas ou aeróstatos

Passa mais um dia e chega ao Ministério do Interior, o relatório do chefe da PSP de Bragança, Antero Augusto Antunes, que tinha mandado uma patrulha a Paradinha Nova, localidade que teria sido sobrevoada pelo último pára-quedista avistado. Ninguém viu o homem, mas foi assinalada a passagem de um "balão cativo" que horas depois seria recolhido próximo de Macedo de Cavaleiros.

"Ao receber as primeiras informações fiquei de facto convencido tratar-se de pára-quedistas, mas depois de estudadas e investigadas todas as causas e estas concretizadas pelo aparecimento de balão acima referido, e de um outro aparecido em Mirandela que se encontra no comando da GNR, sou da opinião, salvando o esclarecido critério de Vossa Excelência que não deve haver pára-quedistas no presente caso, tratando-se apenas de balões cativos deslocados dos seus lugares. No entanto devo Informar Vossa Excelência que todos nós estamos vigilantes e informarei Vossa Excelência do que houver", explica - numa escrita cuidadosa - o chefe de polícia no documento enviado ao ministro.

Tratavam-se certamente de balões de barragem, utilizados na defesa aérea, e que por mais de uma vez chegaram a Portugal. Devido a tempestades, bombardeamentos ou dezenas de outras razões estes podiam soltar-se e voar longas distâncias.

Houve vários notícias sobre a
presença de balões de barragem
em Portugal. Esta notícia
do Diário de Notícias
de 8 de Fevereiro de 1941
Sobre os estrangeiros encontrados o chefe da PSP não tem quaisquer dúvidas: são refugiados "como tantos outros já capturados nestas regiões anteriormente".

O Governador civil cede às evidências a 15 de Setembro depois de se encontrarem balões em Mirandela, Macedo e Vinhais: "cheguei à conclusão que os povos foram sugestionados com o frequente aparecimento de balões de borracha, a quem atribuíram a classificação de pára-quedistas".

Pede desculpas pela forma precipitada e alarmista como informou Lisboa do caso, mas, ao mesmo tempo, olha para toda confusão gerada com optimismo: " A verdade seja dita; este alarme deu para os povos e autoridades óptimo resultado, pois uns e outros não se pouparam a sacrifícios, andando por montes e vales à procura do inimigo."

Carlos Guerreiro

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